quinta-feira, 21 de julho de 2016

Pela Fé Que Foi Entregue aos Santos

Pela Fé Que Foi
Entregue aos Santos

Gilson Carlos de S. Santos

“...senti a necessidade de vos escrever, exortando-vos a pelejar
pela fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (Jd 3).


Uma das palavras mais freqüentes na Bíblia é “fé”. Conceito chave, esta palavra descreve um ato que passa pela inteligência e pela vontade. Na Bíblia, fé significa confiança absoluta em tudo que Deus tem revelado; a confiança que possuímos no testemunho que Deus manifesta acerca de Si mesmo. Às vezes, esta palavra aparece para descrever o exercício da fé por parte do homem espiritual, crença ativa, a dependência de Deus. Outras vezes, para descrever o objeto da fé, aquilo em que alguém crê, o sistema de princípios religiosos (como é o caso do cristianismo), o anúncio doutrinário na forma de um credo.



“Vigiai, estai firmes na fé, portai-vos varonilmente
e fortalecei-vos...” (1 Co 16.13 - ARC).

“Se, na verdade, permanecerdes fundados e firmes na fé
e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido,
o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu,
e do qual eu, Paulo, estou feito ministro” (Cl 1.23 - ARC).

“Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência
acerca da salvação comum, tive por necessidade escrever-vos
e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada
aos santos” (Jd 3 - ARC).

“E crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava
muito o número dos discípulos, e grande parte dos sacerdotes
obedecia à fé” (At 6.7).

Há algumas perguntas que nos ajudam a avaliar nossa fé. Neste editorial propomos três perguntas través das quais podemos fazer uma radiografia dela. São perguntas importantes e reveladoras.

1. Em Que Você Crê?

O conteúdo da nossa fé é fundamental. Aquilo em que você crê constitui aquilo que você é. E só a verdade é digna de ser crida. Alguém já disse que “a piedade é filha da verdade, e precisa ser alimentada... não com outro leite que não seja o de sua mãe”. John Owen afirmou que “somente a verdade capacita a alma a dar glória a Deus”. Hoje em dia ouvimos expressões tais como: “Não importa o que você crê, conquanto seja sincero”; “Todos os caminhos levam a Deus”, etc. Ao que nos parece, esta será a religião do século 21. Isto, contudo, é uma grande falácia. Aquilo que você crê constitui o alicerce da sua vida. Aquele que crê mal não pode viver bem, pois não tem alicerces.

Nossa fé requer um conteúdo. Fé sem conteúdo não é a fé bíblica: é misticismo ou superstição. E o conteúdo sólido para alicerçarmos nossa vida tem de ser a verdade. Permaneça fiel às suas convicções, mas assegure-se de que elas são verdadeiras. Jesus disse: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Somente a verdade liberta e consola. Nossa liberdade consiste em sermos cativos da verdade. Um filósofo dinamarquês disse que, “para ser forte, preciso descobrir a verdade, pela qual eu possa viver e morrer”.
Aquilo que você crê
constitui aquilo que você é.

Vivemos tempos em que as pessoas estão à procura de mestres que lhes agradem. Líderes e movimentos religiosos, inclusive no meio evangélico, têm, como premissa essencial de sua prática e base de sua agenda, o pensamento corrente, os conhecimentos da psicologia e as tendências culturais. Surgem doutrinas que agradam multidões e pregoeiros que mais se parecem com aqueles animadores de programas de auditório. Entretanto, a questão não é se uma doutrina é bela, atraente, impressionante ou popular, mas se é verdadeira. O bispo de Hipona escreveu: “Se você crê somente no que gosta do evangelho e rejeita o que não gosta, não é no evangelho que você crê, mas em si mesmo”. E o reformador Lutero adverte-nos: “qualquer ensinamento que não se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres todos os dias”. No fim, a verdade triunfará. A verdade é sempre forte, não importa quão fraca pareça; e a falsidade é sempre fraca, não
importa quão forte pareça.

Por nós Jesus orou. Ele pediu ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17).

2. Como Você Crê?

A forma e a intensidade da fé têm grande importância. A fé é algo que se desenvolve mediante o uso. Ela precisa ser desenvolvida. Assim, a fé pode aumentar e ser fortalecida. Há níveis variados de fé, pois há níveis variados de desenvolvimento da alma. Por isso, fazem sentido expressões bíblicas tais como: “Homens de pouca fé”; “Geração incrédula”; “Fé do tamanho de um grão de mostarda”; “Mulher, grande é a tua fé”; “Nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”. Dos pedidos que os discípulos fizeram ao Mestre Jesus Cristo, dois se destacam. O primeiro é “ensina-nos a orar”; e o segundo, “aumenta-nos a fé”.

Esta questão da forma e da intensidade da fé pode ser percebida de maneira bem nítida nas palavras de Jesus dirigidas a Tomé, no segundo domingo após a ressurreição. Como sabemos, Tomé esteve ausente na reunião do primeiro domingo (o que já constitui um ponto negativo) e não creu na notícia de que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos. Após haver contemplado o Senhor, colocado o dedo nas feridas dos cravos em suas mãos e apalpado as chagas do seu lado, Tomé creu. E disse-lhe Jesus: “Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20.29).

De fato, a fé bíblica é a confiança que temos no testemunho que Deus manifesta acerca de Si mesmo. Ao crente basta a Palavra de Deus. Deus falou a Abraão, e este creu. Lamentavelmente, vivemos um tempo em que a geração incrédula e adúltera pede e busca sinais a fim de crer.

Escrevendo sobre questões relacionadas à esfera da liberdade cristã, o apóstolo Paulo disse aos romanos: “Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado” (Rm 14.23 - ARC). A nossa fraqueza nasce de nossa falta de convicções arraigadas. Precisamos de homens com fé inabalável na Palavra do Senhor, com coragem para tomar posição em sua proclamação e defesa e com disposição e tenacidade para assumir os custos de tal decisão. Afinal, uma bigorna não tem medo dos martelos, e, como alguém já disse, “razões fortes levam a decisões enérgicas”.

Walt Disney criou um personagem que ele entendeu representar bem o Brasil. Foi o Zé Carioca. Um papagaio que caracteriza o carioca típico dos morros da cidade do Rio. De fato, o papagaio é uma ave bem brasileira. A singularidade dessa ave é que, por via de regra, imita bem a voz humana. Todavia, é um mero repetidor do que ouve constantemente. Também, em religião, os “papagaios” proliferam em nosso país. Estes repetem idéias que têm ouvido desde o berço ou práticas e doutrinas da moda, sem jamais terem chegado a uma experiência pessoal com Deus. Quando Pilatos interpelou Jesus, com as palavras “És tu o rei dos judeus?”, Jesus respondeu ao governador, fazendo outra pergunta: “Dizes isso de ti mesmo, ou disseram-te outros de mim?” Ecoar o que se ouve, sem uma fixação pessoal, é tornar-se um papagaio.

Este é um sintoma alarmante de nossa época: muita gente “ecoando” um cristianismo que não passou da gravação, na memória, de algumas respostas do catecismo e alguns textos ou referências da Bíblia. Fé viva na Palavra e vivência com Deus nunca foram experimentadas por tais pessoas. E, quando chegam as horas difíceis, em que a vida espiritual tem de passar por uma prova de fogo, a “religião de segunda mão” não oferece o apoio de que precisa o “religioso”, que entra em pane e atola. Necessitamos de uma geração de homens “religiosos de primeira mão”, que falem ou cantem o que afirma o Salmo 23: “O Senhor é o meu pastor...” Como você crê? Como andam as suas convicções?

O conhecimento da verdade deve nos levar à convicção da verdade. Jesus lançou a seguinte pergunta ao povo, acerca de João Batista: “Que fostes ver no deserto? Uma cana agitado pelo vento? ... Mas, então que fostes ver? Um profeta? Sim, vos digo eu, e muito mais do que profeta” (Mt 11.7-9 - ARC). É terrível quando ouvimos a respeito de alguém: “Ele nunca tem opinião própria; costuma adotar a que estiver em voga”. Eis aí um caniço agitado pelo vento. O profeta do Senhor não é aquele que se orienta pelo cata-vento da opinião pública, mas pela bússola da convicção bíblica. O nosso mundo é rico em ilusões, e, por vezes, nos deixamos iludir por ele. Somos tentados a preferir o caminho fácil e seguir o curso da multidão. Porém, aqueles que têm por filosofia de vida acompanhar as multidões frequentemente se perdem no meio delas. Spurgeon um dia concluiu sobre a insanidade de alguém se guiar pela popularidade e disse: “Já faz muito tempo que parei de contar cabeças. Geralmente a verdade está com a minoria neste mundo mau”.

O mundo carece de homens que creem naquilo que pregam. Nos tempos da bastilha francesa, Mirabeu falou de Robespiere, quando este fazia um discurso: “Este homem vai longe; ele acredita naquilo que diz!” É lamentável dizer, mas há muitos de nossos pregadores e teólogos que simplesmente não creem naquilo que pregam. Se creem, a forma como pregam parece negar-lhes a eficácia de sua fé.

3. O Que Você Faz Com O Que Você Crê?

O que fazemos com a fé é muito importante. Se algo é digno de ser crido, é digno de ser vivido. De fato, a fé bíblica implica em obediência. A fé bíblica traduz-se em discipulado. Não crê aquele que não vive consoante à sua crença. “Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2.17). Um pressuposto da pregação da Palavra de Deus é que o propósito subjacente a toda doutrina é garantir a ação moral. Aprendemos por simples verificação semântica que teologia é conhecimento de Deus. Sua teologia consiste naquilo que você é quando para de falar e começa a agir. Deus quando nos instrui a mente, Ele o faz para transformar a vida. Aliás, este é o alvo do ensino, e a lei do processo de aprendizagem estabelece que o aluno deve reproduzir, em si próprio, a verdade aprendida. E vivendo a verdade, nossas próprias vidas se tornam verdadeiras. Nós nos tornamos o que devemos ser.

Precisamos de homens com fé inabalável
na Palavra do Senhor, com coragem para,
com disposição e tenacidade
para tomar posição em sua proclamação e
defesa assumir os custos de tal decisão.

Uma fé digna de ser crida é digna de ser proclamada. Novamente recorro a Spurgeon, que disse: “Os homens, para serem verdadeiramente ganhos, precisam ser ganhos pela verdade”. Hoje a teologia é vista como reflexões dos ambientes eruditos, aprisionada nos recintos acadêmicos dos seminários. Faz-se uma grande dissociação entre o conteúdo dos compêndios empoeirados das bibliotecas dos teólogos e a ação pastoral na igreja e a vivência comum do crente com Deus. Não tenhamos o mínimo interesse numa teologia que não promova o ardor por Deus; não tenhamos qualquer interesse por uma teologia que não evangelize e uma fé que não seja missionária.

A verdade precisa ser proclamada, não importa como seja recebida. E deve ser proclamada, antes de tudo, porque é a Verdade de Deus. Proclamar a Palavra glorifica o seu santo Nome. A pregação é sem dúvida um bem eterno. Essa foi a conclusão dos apóstolos quando elegeram “os sete”. O bem que se faz aos homens é passageiro; as verdades que lhes deixamos são eternas.

Uma fé digna de ser crida é também digna de que batalhemos por ela. O melhor método para a erradicação do erro ainda é publicar e praticar a verdade. Precisamos tornar clara nossa posição, com palavras e obras, em favor da verdade e contra as falsas doutrinas. Quase sempre, é no vácuo deixado pela negligência e descaso em proclamarmos “todo o conselho de Deus” que proliferam as seitas e heresias. Quando a verdade silencia, as opiniões falsas parecem plausíveis. A verdade amordaçada é
uma contradição e impropriedade, pois a verdade é sempre o argumento mais forte.


 Conteúdo retirado da Revista Fé Para Hoje Nº:1 Ano: 1999